Quero
com este texto pensar como o Pagodão baiano se insere e paira na sociedade
baiana com suas aplicações, referências e verdades que são presença constante
no nosso dia-a-dia. Pois, entendo que este gênero musical na Bahia, mas
especificamente em Salvador, tem um apelo social enorme ditando regras e modos
de vida na sociedade, deste modo, o debate sobre o Pagodão baiano estaria para
além do meramente musical.
É
uma sensação mágica... Uma eterna brincadeira inocente... Um mundo de sensações
e desejos incontroláveis... Num dia de tão formoso sol que parece ser os olhos
de todos os Deuses e Orixás que disputam e clamam a atenção dos baianos a
cidade acorda mais uma vez. Por todas ladeiras, praças, becos e ruas de
Salvador, ouve-se uma música alegre e ritmada pelos tambores swingados e cheios
de africanidades. Que também tem a
sistematização sem sabor da música europeia. Tem Ásia, tem todos os continentes
numa mistura de orgia sensual. Quase que um presente divino para ser
contemplado com nostalgia e jubilo.
Uma
música que ti leva a um transe, que ti faz delirar, que involuntariamente passa
por todo seu corpo fazendo você mexe e se remexer sem parar. Se esta música
tiver um cheiro característico você sentira a fragrância do azeite de Dendê oriundo
dos vários quitutes dos tabuleiros das Baianas do Acarajé espalhados pelos
quatro cantos da cidade de Salvador. Você consegue perceber em cada expressão:
na dança pueril de uma criança, no corpo negro, maduro e bronzeado a rebolar e
a se esfregar um no outro, em cada olhar, no sorriso largo que parece que vai
saltar da boca, nas manifestações de flerte mudo, no toque de pele que parece
que vai invadir suas entranha e lhe proporcionar prazeres indescritíveis.
Mesma
pele que carrega as marcas de tantas lutas ancestrais. Não é uma alegria
fortuita e passageira. Não... É uma alegria que identifica e legitima a
baianidade com toda sua criatividade própria e particular. Com toda sua mistura
étnica. Mesmo usada de foram “vulgar” por alguns, entretanto, esta música narra
de foram irônica e festiva toda fome e miséria deste povo sofrido e carente,
porém, forte, alegre e determinado. Esta música penetra na verdadeira “alma
baiana”, ajuda a nos relevar este comportamento tão singular e reverenciado por
poucos. A Bahia pode ser conhecida e definida por todos seus sons extraídos de
todo suas influências misturadas de teu povo, pois, ela tem uma história
própria e cativante.
Hoje
em dia essas canções do Pagodão baiano que
é a transformação moderna do pagode irônico e reverente desenvolvido na Bahia
que cheira a periferia talvez não tenha o mesmo charme padronizado e
ultrapassado de um Chico Buarque; nem a forçada poesia chata e burguesa de um
Vinicius de Morais; nem a suposta e obscura genialidade dos versos
inconfundíveis de Caetano Veloso; nem a tão reverenciada soberania decadente de
Roberto Carlos; ou o mais do mesmo da inventividade dos acordes de João
Gilberto; muito menos ainda o requinte simples e repetitivo de um Cartola,
porém, tem o suor, tem alegria extrema, o jubilo frenético de festividade, tem
todo um corpo suado a interagir com outro e a remexer-se numa atmosfera de
“eterno convite e provocação”. Se analisarmos segundo um víeis pautado na Escola
de Frankfurt e tomarmos como integrantes de uma certa Industria Cultural as canções destes compositores (do Pagodão baiano
e os ditos sofisticados), será que a proposta de uma intenção de passar algum
tipo de mensagem não seria a mesma para todos?
A canção como gênero musical está norteada na
mensagem, na união de melodia e letra, assim, o que diferenciaria as letras do
Pagodão com sua ambiguidade, reverência, e simplicidade, não seria nossas
predileções ao que entendemos como sofisticado numa letra de musica cheia de
metáfora e imagens apoteóticas de um lirismo onde muitas vezes não correspondem
a real interação crua das pessoas na sociedade? Poesia em refinamento é para
determinar separações de classes e sustentar comportamentos de camadas e
estabilidades sociais, deixar o povo na inércia, mostrando glamour
faraônico.
Arte
é interpretação livre, que vai pra além da racionalidade norteado quase que
plenamente no simbólico e no transcendente, desta forma, podendo sair de
lugares inimagináveis, assim, o que aterroriza uma música como essa, ou seja, o
Pagodão Baiano, é a imoralidade,
promiscuidade e imagem de animalidade legado aos pobres (classe operária) em
toda nossa história brasileira. Para além de todas as distorções e apelos
sexuais que esta música pode ter para uma camada da sociedade dita sofisticada
esta música tem antes de tudo a cara da favela de Salvador!
O
Pagodão baiano é feito principalmente
por artistas oriundos muitas vezes das favelas da cidade de Salvador, eles
enxergam neste tipo de música um mecanismo, uma maneira de ascender socialmente
e não serem mais hostilizados pela sociedade, resgatando sua alto estima e
respeito como cidadão. Estes artistas pertencem na maioria das vezes à chamada
classe pobre, classe essa que está imersa numa atmosfera de idealizações
degradantes que definiriam determina imagens que poderiam ter destes indivíduos:
animalização da personalidade do individuo, sexualização extrema do corpo,
índices alarmantes de analfabetismo funcional, racismos sofridos, padronização
de beleza e comportamentos, bestialização, todos os tipos de exclusão social,
falta de estrutura básica para sobreviver como uma boa moradia, educação de
qualidade, transporte, alimentação adequada, violência acentuada nas suas
diversas modalidades, etc..
Também
esses pobres atuam em subempregos, onde os deixam sempre emergidos neste caos
sem perspectiva de melhora a curto e longo prazo, assim, não o gabarita obter o
que esta mesma sociedade lhe mostram como objetivos de vida do “cidadão comum”.
O cidadão comum é definido através de condutas morais norteadas pelas diversas
influencias das instituições sociais que o rodeiam. Implantam no imaginário
destes cidadãos certas metas que ele teria de alcançar, entretanto, a sociedade
não lhe fornece os suportes necessários ficando para poucos os recursos para
ter uma digna e saudável vida. Logo, o individuo é valorizado, é visto e
respeito por aquilo que ele possui financeiramente. Suas posses e rendas.
O
Pagodão baiano também seria o mecanismo ou dispositivo onde o pobre
marginalizado retrata de forma simples e direta os valores vazios que esta
mesma sociedade lhe impõe. Ou ainda, como esta sociedade enxergaria a camada pobre
da cidade. Funcionaria também como uma forma das camadas privilegiadas da
sociedade manter o povo cativo e subjulgado aos desmandos das classes formadoras
de opinião e principalmente os políticos.
Valorização
exagerada de nossas imagens, vaidade que é fortificada pela sociedade moderna.
Que tem anseio e falta porto seguros para ajuda-lo a refletir e viver bem
consigo mesmo, para questionar determinados valores impostos como verdadeiros e
únicos e não refutáveis. Perca de um porto-seguro, não para nos viramos
fundamentalistas, dogmáticos, mas, para termos referências substâncias. O vazio
no individuo se transforma em uma muralha pra que o mesmo um não enxergue o
outro e tudo fique indiferente.
Os
desmandos dos políticos em Brasília, a punição severa dos pobres e ao mesmo
tempo a impunidade para os ricos não seria um sintoma disto? Não é sutilmente
trabalhada a alienação, para nos deixar acomodados com tudo no nosso país?
E a Grande
Mídia capitaneada pelos programas de televisão não seria o principal
propagador destes valores vulgares para a população? Pois, a televisão é o
principal meio onde a maioria dos brasileiros se informam, adquirem cultura e
se educam. Mesmo com o crescente acesso a internet e outros meios de
informação, mesmo assim, é a televisão que norteia e dita às regras de tudo no
cidadão brasileiros.
Verificamos
neste movimento musical valorização de certas imagens e referências, de vidas
específicas palpadas em comportamentos esdrúxulos, pois, se o Pagodão baiano é
associado a uma imagem vinculada a vulgaridades e bestialidades é o espelho
fiel da situação social destes pobres marginalizados. A degradação humana vivida
no cotidiano nas favelas de Salvador é mostrado neste movimento musical que
combina música e comportamento com sua beleza mal tratada, sua linguagem
monossilábica quase que rosnada, seu comportamento beirando a animalidade,
formando assim, uma “expressão cultura” autêntica. Não quero esconder o comportamento esdrúxulo e
as consequências destes constantes apelos a sexualidade/libidinagem que possa
vir a ocorrer, mas, porque não podemos também analisar como recurso da ironia
baiana, da brincadeira sem malícia, reverência de dizer algo? Esta mesma música
sexualizada que tão explorada por toda sociedade, é vitima de preconceitos,
pois, é feita por gente sem educação, animalizadas e a margem do que a
sociedade entende como comportamento adequado.
Uma
questão: afinal qual é o propósito de tanta exposição sexual contida no Pagodão
baiano atualmente? Será uma brincadeira artística sem propósitos políticos?
Será para submeter às classes populares e legitimar o poder das classes
dominantes? Será para alienar a sociedade? Será o pão e o circo moderno? Pois,
a música sexualizada de uma forma cômica enfoca a degradação humana. Expõe-lhe,
mexe com sua intimidade e se confunde com o mesmo. Torna-se objeto e passa a
ser especulada, adaptada para ser a principal referencia antropológica e
sociológica da população pobre. Existe um verdadeiro bombardeio destas músicas
sexualizadas (pagodões baianos, Funk carioca, etc.) nos diferentes meios de
comunicação (internet, programa televisivo, rádio, etc.) com o fim último de
entreiter e cativar toda população. Claro que não só as classes pobres. Porém,
essas são as mais que sofrem diretamente com isto.
Com
esta mesma forma cômica, revela toda falta de cuidados que o Estado tem com
esta camada da sociedade. Revela as diferentes mazelas que este povo sofre,
porem, esta exposição é conduzida de uma foram tão planejada que o povo não
percebe que esta sendo manipulada. A criança desde cedo nasce para rebolar e se
deprava sem direito a conhecer algo novo e mais saudável e instrutivo para a
mesma. As classes privilegiadas e o Estado Brasileiro colocam em exposição toda
fase degradada do povo pobre, pois, através do incentivo deste tipo de música, a
classe pobre “sem saber” tomam a sua sexualidade como modo de vida e tudo que
eles fazem e são ligados a vulgarização.
Analisemos
uma imagem tão cantada nas músicas do Pagodão baiano, ou seja, a garrafa de
uísque seria, portanto, o alcance desejado do status, do vencer na vida, do
mostrar pra as pessoas da sociedade poder. O uísque é o símbolo da sua entrada
da legitimação do individuo como pertencente a algum lugar, a estar inserido no
padrão de vivência que a sociedade imagina como ideal para individuo. O uísque
é chave e a permissão, o uísque é o que o igualaria o pobre do rico, é o poder
consumi o que é bom, que é visto como objeto dos vencedores. O uísque é o
símbolo do sucesso da ascensão social, a redenção, o auge, o fim. A posição
social privilegiada, agora ele é gente, a favela não mais o identifica-o o
representa como toda a representatividade negativa que este lugar pode ter.
Em
um modo geral a sociedade ver você com reflexões estabelecidas com ideias. Ora,
tudo é para passar, todos nossos sentimentos são dirigidos a terem predileções
e gostos para determinadas coisas. Nossas sensações são mascaradas por apelos
fortes a coisas vazias e ao descartável. Nossos sentimentos, emoções, gostos, mudam
com uma velocidade incrível, o efêmero tornou-se o objeto primeiro de nossas
vidas. o individuo tem que passar ou corresponder a determinados objetos
estabelecidos nas relações sociais. Certas condutas são norteadas por diversos
seguimentos institucionais ou em toda rede social.
Existe
em nossa sociedade todo um panorama de exposição dessas músicas sexualizadas no
intuito de deixa o povo no estado permanente de degradação de sim mesmo sem ter
forças para reclamar ou vislumbrar mudanças concretas de sua posição e
afirmação humana. Mesmo que o Pagodão baiano seja visto como expressão
cultural, modo de ascensão social, ou ainda, importante meio propagador de
alienação social pelo Estado, ela é antes de tudo um ótimo mecanismo para
questionarmos nossa sociedade brasileira com seus comportamentos, verdades,
imposições e referências. Mesmo que o
Pagodão baiano esteja mais fortemente hoje em dia ligado a certa Industria da
Cultura que tem a proposta de criar uma música com conotação de arte popular
para entreter o indivíduo, e também como mecanismo de manipulação social, esta
música carrega no imaginário do nosso povo algo de raiz de pertencimento, de
identidade.