segunda-feira, 5 de setembro de 2011

ROSAS BRANCAS E UMA PSEUDOFILOSOFIA

As rosas brancas têm algo peculiar... Elas são passives a contemplação! Para um olhar comum ávido de aparencias imediatistas a rosa branca perder o envolvimento, o prazer do primeiro contato por ter uma cor “morta” que é o branco ela não brilha, ela não se impõem, ela simplesmente anseia por discrição, por uma atitude detalhada de observações nervosas, porem, com uma calma doce tão angustiante que chega a permear na sua existência branca a falta do espetáculo de um significado qualquer para que ela tenha qualquer vida e qualquer importância.

Para um olhar observador a rosa branca por ser branca esconde sutilezas, esconde sentidos outros, ela prende este olhar contemplativo numa atmosfera de indagações intermináveis. Sua estética é igual a outras rosas de cor diferente, porem, não é este o motivo de sua beleza singular, pois, ela nos conduz a descobertas de possibilidades de imagens de nossos desejos de mudanças, permanências ou idealizações do que venha ser o “real”.

Símbolo de beleza e adoração, cultuada como uma deusa da noite, travestida de seus espinhos maliciosos, a rosa branca codifica em gestos sua vontade, uma vontade interminável, insaciável de imposições. A rosa branca brinca com nossos sentimentos, ela nos seduz, nos envolve, nos confunde, nos provoca, retida de nos todo tipo de orgulho, de amor próprio, de uma tal maneira que passamos a não enxergar mais nada além de teu gostoso perfume, sempre à querer uma dose deste sutil e veneno  deleite.

Passamos a desejar e querer, até fazer coisas que antes não imaginávamos que seriamos capazes, ficamos cegos e sem senso, buscamos poesia nas coisas mortais só para ter a sensação perdida de paz. Renegamos nossa própria vida, o nosso Eu é servido em uma bandeja para ser bebida como algo intragável, algo sem nutriente de perseverança, algo para ser derramado no chão podre, onde todos possam desfilar todo seu ódio, toda sua prepotência.

Nosso choro de lamento regaria a rosa branca, e o que nos deixaria abismados é que esta rosa branca em momento algum tentaria dizer algo para nós, nem um vento a tiraria do teu lugar, de seu desdém com um mundo enlouquecido por suas explicações. E ela sempre ali pomposa, soberana, com um ar de deboche, só observaria nosso desespero por ela, nossas varias justificativas em defini-la, rica de tradições e seguidores infames a rosa branca moveria  guerras, justificaria as piores barbáries, verdades, mentiras e suposições apareceriam, explicaria qualquer manifestação de alegria, encheria de certezas infundadas e de autoridade uma estante cheira de teorias humanas, vozes falariam em teu nome, séculos e séculos passaria e teu nome seria louvado de todas as formas.

Muitos achariam que a conhecem, falariam dela com toda propriedade, diferentes nações reivindicariam tua origem e apontariam suas influencias dos quatro cantos do mundo, porém,  poucos saberiam exaltar teu nome. Ela passaria por varias mãos intrigadas e temerosas de tua beleza, modificariam a imagem da rosa branca para que ela não seja sacralizada ou afundada em dogmas. Surgiriam varias maneiras de contemplará, de tentar entende-la, venderiam conceitos ambíguos para poder chegar nem que fosse por um momento rápido a sua noção o seu juízo/entendimento. Críticas apareceriam para varrer qualquer duvida sobre sua beleza branca, clássicos ficariam a nossa disposição para sempre voltamos a nos angustiar com ela.

Todas as representações que possam ser direcionadas a rosa branca são representações humanas, assim, estas representações estão sujeitas a toda sorte de inferências conceituais, pois todos os pensamentos humano direcionam-se de maneiras diferentes sobre todas as coisas, tendo um mesmo conceito dependendo de sua abordagem (histórica, política, epistemológica ou gramatical) variações de um mesmo significado de um objeto qualquer.

Trecho da introdução do Tratado da natureza humana de David Hume

Tampouco é necessário um conhecimento muito profundo para se descobrir quão imperfeita é a atual condição de nossas ciências. Mesmo a plebe lá fora é capaz de julgar, pelo barulho e vozerio que ouve, que nem tudo vai bem aqui dentro. Não há nada que não seja objeto de discussão e sobre o qual os estudiosos não manifestem opiniões contrárias. A questão mais trivial não escapa à nossa controvérsia, e não somos capazes de produzir nenhuma certeza a respeito das mais importantes. Multiplicam-se as disputas, como se tudo fora incerto; e essas disputas são conduzidas de maneira mais acalorada, como se tudo fora certo. Em meio a todo esse alvoroço, não é a razão que conquista os louros, mas a eloqüência; e ninguém precisa ter receio de não encontrar seguidores para suas hipóteses, por mais extravagantes que elas sejam, se for hábil o bastante para pintá-las em cores atraentes. A vitória não é alcançada pelos combatentes que manejam o chuço e a espada, mas pelos corneteiros, tamborileiros e demais músicos do exército.

Indústria cultural da felicidade

Marcia Tiburi

Tornou-se perigoso o emprego da palavra felicidade desde seu mau uso pelas publicações de autoajuda e pela propaganda. Os que se negam a usá-la acreditam liberar os demais dos desvios das falsas necessidades, das bugigangas que se podem comprar em shoppings grã-finos ou em camêlos na beira da calçada, que, juntos, sustentam a indústria cultural da felicidade à qual foi reduzido o que, antes, era o ideal ético de uma vida justa.

A felicidade sempre foi mais do que essa ideia de plástico. Tirá-la da cena hoje é dar vitória antes do tempo ao instinto de morte que gerencia a agonia consumidora do capitalismo. Por isso, para não jogar fora a felicidade como signo da busca humana por uma vida decente e justa, é preciso hoje separar duas formas de felicidade: uma felicidade publicitária e uma felicidade filosófica.

A felicidade filosófica é a felicidade da eudaimonia, que desde os gregos significa a ideia da vida justa em que a interioridade individual e as necessidades da vida exterior entrariam em harmonia. Felicidade era o nome dado ao sentimento da pensante existência humana. Estado natural do pensamento reflexivo, ela seria o oposto da alienação em relação a si mesmo, ao outro, à história e à natureza.

Condição natural dos filósofos, a felicidade seria, no seu ápice, o prazer da reflexão que ultrapassa qualquer contentamento.

Sacralização do consumo

 A ausência de pensamento característico de nossos dias define a falta de lucidez sobre a ação. Infelicidade poderia ser o nome próprio desse novo estado da alma humana que se perdeu de si ao perder-se do sentido do que está a fazer. Desespero é um termo ainda mais agudo quando se trata da perda do sentido das ações pela perda da capacidade de reflexão sobre o que se faz.

Sem pensamento que oriente lucidamente ações, é fácil se deixar levar pelos discursos prontos que prometem “felicidade”. Perdida a capacidade de diálogo que depende da faculdade do pensamento, as pessoas confiam cada vez mais em verdades preestabelecidas, seja pela igreja ou pela propaganda – a qual constitui sua versão pseudossecularizada.

A propaganda vive do ritual de sacralização de bugigangas no lugar de relíquias, e o consumidor é o novo fiel. Nada de novo em dizer que o consumismo é a crença na igreja do capitalismo. E o que o novo material dos ídolos é o plástico.

Tudo isso pode fazer parecer que a felicidade foi profanada para entrar na ordem democrática em que ela é acessível a todos. O sistema é cínico, pois, banalizando a felicidade na propaganda de margarina, em que se vende “família feliz”, ou de carro, em que se vende o status e certa ideia de poder, a torna intangível pela ilusão de tangibilidade.

Sacralizar, sabemos, é o ato de tornar inacessível, de separar, de retirar do contato. Na verdade, o que se promove na propaganda é uma nova sacralização da felicidade pela pronta imagem plastificada que, enchendo os olhos, invade o espírito ou o que sobrou dele. A felicidade capitalista é a morte da felicidade por plastificação.

Fora disso, a felicidade filosófica é da ordem da promessa a ser realizada a cada ato em que a aliança entre pensamento e ação é sustentada. Ela envolve uma compreensão do futuro, não como ficção científica, mas como lugar da vida justa que se constrói no tempo presente.

A felicidade publicitária apresenta-se como mágica dos gadgets eletrônicos que se acionam com um toque, dos “amigos” virtuais que não passam de má ficção. A felicidade publicitária está ao alcance dos dedos e não promete um depois. Ilude que não há morte e com isso dispensa do futuro. Resultado disso a massa de “desesperados” trafegando como zumbis nos shoppings e nas farmácias do país em busca de alento.

Revista Cult 159, junho de 2011.